“Numa democracia constitucional não cabe ao estado policiar
a arte”.
A partir desta frase poderíamos lembrar questões recentes de
censura às artes no país e até pensar que foi proferida por pessoa desavisada,
sem conhecimento da atual onda de cerceamento que lava despudoradamente o
Brasil de ponta a ponta. Mas foi proferida por quem acredita estar defendendo
direitos enquanto empurra centenas de milhares de pessoas à informalidade e
legando o público às mãos ineptas de supostos técnicos.
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A situação de que tratamos aqui é a Arguição de Descumprimento de Preceito
fundamental (ADPF) n. 293, que pretende, grosso modo, retirar o
direito de artistas cênicos e técnicos - entre outros - serem reconhecidos como
profissionais.
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A alegação de que a Lei restringe o exercício de atividade
artística é estapafúrdia pelo erro de interpretação que carrega. A Lei 6533/78
(e decreto 82385/78 que a regulamenta) que reconheceu como profissão o técnico
e o artista cênico em nenhum momento coíbe o livre fazer artístico, ela visa
regular o exercício da profissão que, por definição, é uma atividade
especializada. Assim, profissional é quem adquiriu em fontes variadas e seguras
o conhecimento da atividade que realiza. Pode qualquer pessoa criar e executar
um cenário e garantir que ele não cairá sobre elenco e plateia ou incendiará em
contato com um refletor? Ainda mais
grave é a arguição quando sugere ser desnecessária a exigência de registro do
profissional técnico em benefício do interesse público. Desconhecerá
responsabilidades em situações como a tragédia da casa noturna Kiss em Santa
Maria no Rio Grande do Sul? O técnico é o responsável pelas instalações de som,
vídeo e luz e sua operação. Pode-se admitir que pessoa não qualificada assuma
os riscos que somente um técnico profissional conhece ao lidar com eletricidade
ou trabalho em altura? Como saber se este amante da arte adquiriu conhecimento
suficiente para dar aulas ou responder questões técnicas de segurança? COM O
REGISTRO PROFISSIONAL.
A Lei é clara: são aceitos além de diplomas acadêmicos ou
atestado de capacitação profissional. Para este atestado, o aspirante a um
registro profissional leva na entidade representativa de categoria do estado
onde reside todo o material que comprove sua atividade. De maneira geral são
aceitos certificados e comprovações de cursos e profissionais com quem tenha
trabalhado. Por ser a obtenção de atestado de capacitação uma prática tão
simples, fica a dúvida de a que interesses serve a extinção de nossa profissão,
por que é disso que se trata, em resumo.
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Certamente não são os interesses da liberdade de expressão ou
de quem trabalha em várias frentes, do ensino de técnicas artísticas ao labor
exaustivo dos ensaios ou aos interesses de quem realmente zela pela segurança
de público e trabalhadores em espetáculos de diversões.
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Num momento extremamente delicado nas relações
profissionais, políticas, econômicas no país, a que serve este tipo de
discussão inócua que pretende tirar direitos ao invés de defendê-los? Se
realmente o estado não pode policiar a arte, pode ele arbitrar o desvalor de
profissionais com responsabilidades éticas e técnicas reconhecidas por um
registro cuja inexistência não trará benefício social algum, considerando
desnecessário seu reconhecimento legal? Justamente não estará o Estado legando centenas de milhares
de profissionais à informalidade de subempregos leiloados a “quem ganha menos” em
benefício unicamente de contratantes que visam aumentar seus lucros reduzindo custos
de produção ou, como é prática comum, oferecendo comida e transporte em troca
do trabalho artístico que hoje é sustento de tantas famílias?
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