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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A origem do preconceito.

Ouvi contar uma experiência em que macacos (não sei quais) eram mantidos em cativeiro e numa área bem acima deles havia frutas. Sempre que tentavam alcançá-las, levavam um jato de água fria.
Só comiam as frutas que eram colocadas em determinados horários na parte de baixo.
Quando eles já estavam acostumados a isso, trocaram um dos macacos. Quando este tentou alcançar as frutas, TODOS os macacos levaram jato de água fria. Na vez seguinte, os macacos mais antigos já impediam o macaco mais novo na área de subir atrás das frutas. E assim foi até que todos os macacos haviam sido trocados mas nenhum buscava as frutas do alto.

Ninguém nasce racista, certo?
Como nos tornamos racistas?
Toda uma sociedade assim age por que?
Há várias explicações antropológicas, sociológicas, históricas.

Daí que fui buscar na memória onde o racismo começou a existir em mim. Sim, por que existe, não serei hipócrita de dizer que não há. Não é específico, com relação a negros por exemplo. É generalizado, existe sim.

Entre as minhas lembranças mais antigas de jardim de infância e primário, está a escola pública, claro. Sempre fui tímida, mas acho que me relacionava com todos os colegas. Tudo bem, na quinta série chamaram minha mãe ao colégio pra perguntar se eu ia ao terapeuta, pois não falava (imaginem isso!) e estavam preocupados comigo. E eu achando que era normal ser assim.
 Três meninos tinham esse jogo – ainda me pergunto por que comigo – de correr atrás de mim na hora do recreio. Era pra me beijar, diziam. Nunca me pegaram e eu nunca soube quem iria me beijar. Mas secretamente torcia para que fosse o Jerônimo.
Pensando agora, era uma escadinha de cores. Do mais claro ao mais escuro. Francisco, negro. Márcio, branco. E Jerônimo. Sei lá por que, talvez fosse o jeito dele. Lembrando deles, só ontem me dei conta de que um era negro, outro branco e outro, como seria politicamente correto falar agora, pardo. Mas só ontem eu percebi isso. Eu só fugia por que não era certo beijar na minha idade, naquela época. Não acontecia e pronto.

E dou um salto na memória. Minha mãe chamava meu pai, carinhosamente de negrinho. Por que com o cabelo bem crespo quando chegava o verão, se ele atravessasse a rua sob sol do meio-dia chegava preto do outro lado, dizia ela. Era da genética dele. Como é da genética dela a pele claríssima que herdei.

Nunca lembro de meus pais dizendo algo do tipo: não vai ali perto do negro, cuidado com o negro que vai roubar tua bolsa.
Mas lembro que muitas vezes, ao contar uma história, ouvia alguém dizer, Fulano – um negro que trabalha na padaria. E lembro de questionar internamente por que na hora de contar uma história, os negros eram separadamente identificados. Uma vez perguntei o que aquilo tinha a ver com a história e fiquei sem resposta.
Lembro de ser ensinada a respeitar todo mundo, simples assim. Nunca meus pais disseram pra ser diferente com quem quer que fosse. Mas no dia-a-dia, as pessoas de todo lado agiam e falavam diferente. Cochichos quando era pra falar “do negro”. Uma colega de minha mãe – que foi bem amiga dela durante o tempo em que trabalhava – era uma negra muito simpática, de roupas coloridas. Um dia ganhamos uma boneca de pano grande. De pele preta. Foi natural dar o mesmo nome da colega da mãe, pois então eram poucos os negros que víamos fora do colégio e, ao que lembro, foi uma espécie de homenagem.
Luto todo dia contra esse vírus que impregnou nossas vidas de preconceito. Fiquei arrasada por muitos dias quando passei pela suspeita de ser racista.
Estava com minha mãe numa ótica e nos espalhamos. Estávamos do outro lado e eu havia deixado um bolsão ocupando quase duas cadeiras. Ao perceber pelo movimento e pelo ruído que alguém entrava, corri a buscar a bolsa pra liberar o espaço e ouvi uma senhora dizer “não te preocupa, não vou roubar tua bolsa”. Assustada, olhei pra ela. Uma mulher negra de seus 60 anos, provavelmente calejada pelo preconceito me tratava com ar de quem, na verdade, não ligava. Travei. Tentei balbuciar desculpas, explicar que não havia sido essa minha motivação, pelo contrário! Acho que fiquei meio parva ao perceber que ela não acreditava em mim e disse: senhora, minha mãe nunca me perdoaria se eu fosse assim. E minha mãe, simpática e falante como sempre, virou pra ver o que havia, já saiu conversando e quando expliquei o ocorrido, ela riu e disse “ah, certamente não seria minha filha se fizesse isso!”. Olhei ansiosa para o rosto da outra senhora esperando me aliviar por um sorriso compreensivo. Não veio. Apenas um “tudo bem, eu já entendi”, mas sorriu pra minha mãe depois. Pouco, mas sorriu. E até conversou um pouco com ela. Queria ter saído de lá com a certeza de não ser considerada uma pessoa racista. Mas isso é só a minha vontade. Não posso mudar o fato de que o entorno todo precisa mudar.

Tem dias que quero mais é que os israelenses sionistas sumam da terra. Depois me acalmo. Há outros em que os policiais são alvo da minha ira, pois cresci amedrontada pelos capacetes redondos que os brigadianos usavam E nem se podia dizer “brigadiano”. Mas aí eu penso que pra mudar o mundo, preciso começar por mim. Não posso exigir dos outros, qualidades que ainda não tenho, como disse Chico Xavier.

Então é esse meu recado: busque as motivações para mudar algo em si que não lhe agrada. E trabalhe nisso com afinco todos os dias. Desculpe-se pelas falhas fazendo mais esforço a partir de então. Não seja rigoroso demais nem tolerante demais. No caso do preconceito – comece pela mudança externa. Comece observando suas atitudes e palavras. Aos poucos, esse entendimento fará parte de sua mente e coração. E quando se sentir uma pessoa melhor, a alegria será enorme!

Boa sorte!

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