Ouvi contar uma experiência
em que macacos (não sei quais) eram mantidos em cativeiro e numa área bem acima
deles havia frutas. Sempre que tentavam alcançá-las, levavam um jato de água
fria.
Só comiam as frutas que eram
colocadas em determinados horários na parte de baixo.
Quando eles já estavam
acostumados a isso, trocaram um dos macacos. Quando este tentou alcançar as
frutas, TODOS os macacos levaram jato de água fria. Na vez seguinte, os macacos
mais antigos já impediam o macaco mais novo na área de subir atrás das frutas. E
assim foi até que todos os macacos haviam sido trocados mas nenhum buscava as
frutas do alto.
Ninguém nasce racista,
certo?
Como nos tornamos racistas?
Toda uma sociedade assim age
por que?
Há várias explicações
antropológicas, sociológicas, históricas.
Daí que fui buscar na memória
onde o racismo começou a existir em
mim. Sim , por que existe, não serei hipócrita de dizer que não
há. Não é específico, com relação a negros por exemplo. É generalizado, existe
sim.
Entre as minhas lembranças
mais antigas de jardim de infância e primário, está a escola pública, claro.
Sempre fui tímida, mas acho que me relacionava com todos os colegas. Tudo bem,
na quinta série chamaram minha mãe ao colégio pra perguntar se eu ia ao
terapeuta, pois não falava (imaginem isso!) e estavam preocupados comigo. E eu
achando que era normal ser assim.
Três meninos tinham esse jogo – ainda me
pergunto por que comigo – de correr atrás de mim na hora do recreio. Era pra me
beijar, diziam. Nunca me pegaram e eu nunca soube quem iria me beijar. Mas
secretamente torcia para que fosse o Jerônimo.
Pensando agora, era uma
escadinha de cores. Do mais claro ao mais escuro. Francisco, negro. Márcio,
branco. E Jerônimo. Sei lá por que, talvez fosse o jeito dele. Lembrando deles,
só ontem me dei conta de que um era negro, outro branco e outro, como seria
politicamente correto falar agora, pardo. Mas só ontem eu percebi isso. Eu só
fugia por que não era certo beijar na minha idade, naquela época. Não acontecia
e pronto.
E dou um salto na memória.
Minha mãe chamava meu pai, carinhosamente de negrinho. Por que com o cabelo bem
crespo quando chegava o verão, se ele atravessasse a rua sob sol do meio-dia chegava
preto do outro lado, dizia ela. Era da genética dele. Como é da genética dela a
pele claríssima que herdei.
Nunca lembro de meus pais
dizendo algo do tipo: não vai ali perto do negro, cuidado com o negro que vai
roubar tua bolsa.
Mas lembro que muitas vezes,
ao contar uma história, ouvia alguém dizer, Fulano – um negro que trabalha na
padaria. E lembro de questionar internamente por que na hora de contar uma história,
os negros eram separadamente identificados. Uma vez perguntei o que aquilo
tinha a ver com a história e fiquei sem resposta.
Lembro de ser ensinada a
respeitar todo mundo, simples assim. Nunca meus pais disseram pra ser diferente
com quem quer que fosse. Mas no dia-a-dia, as pessoas de todo lado agiam e
falavam diferente. Cochichos quando era pra falar “do negro”. Uma colega de
minha mãe – que foi bem amiga dela durante o tempo em que trabalhava – era uma
negra muito simpática, de roupas coloridas. Um dia ganhamos uma boneca de pano
grande. De pele preta. Foi natural dar o mesmo nome da colega da mãe, pois então
eram poucos os negros que víamos fora do colégio e, ao que lembro, foi uma espécie
de homenagem.
Luto todo dia contra esse vírus
que impregnou nossas vidas de preconceito. Fiquei arrasada por muitos dias
quando passei pela suspeita de ser racista.
Estava com minha mãe numa ótica
e nos espalhamos. Estávamos do outro lado e eu havia deixado um bolsão ocupando
quase duas cadeiras. Ao perceber pelo movimento e pelo ruído que alguém
entrava, corri a buscar a bolsa pra liberar o espaço e ouvi uma senhora dizer “não
te preocupa, não vou roubar tua bolsa”. Assustada, olhei pra ela. Uma mulher negra
de seus 60 anos, provavelmente calejada pelo preconceito me tratava com ar de
quem, na verdade, não ligava. Travei. Tentei balbuciar desculpas, explicar que
não havia sido essa minha motivação, pelo contrário! Acho que fiquei meio parva
ao perceber que ela não acreditava em mim e disse: senhora, minha mãe nunca me
perdoaria se eu fosse assim. E minha mãe, simpática e falante como sempre,
virou pra ver o que havia, já saiu conversando e quando expliquei o ocorrido,
ela riu e disse “ah, certamente não seria minha filha se fizesse isso!”. Olhei
ansiosa para o rosto da outra senhora esperando me aliviar por um sorriso
compreensivo. Não veio. Apenas um “tudo bem, eu já entendi”, mas sorriu pra
minha mãe depois. Pouco, mas sorriu. E até conversou um pouco com ela. Queria
ter saído de lá com a certeza de não ser considerada uma pessoa racista. Mas
isso é só a minha vontade. Não posso mudar o fato de que o entorno todo precisa
mudar.
Tem dias que quero mais é
que os israelenses sionistas sumam da terra. Depois me acalmo. Há outros em que
os policiais são alvo da minha ira, pois cresci amedrontada pelos capacetes
redondos que os brigadianos usavam E nem se podia dizer “brigadiano”. Mas aí eu
penso que pra mudar o mundo, preciso começar por mim. Não posso exigir dos
outros, qualidades que ainda não tenho, como disse Chico Xavier.
Então é esse meu recado:
busque as motivações para mudar algo em si que não lhe agrada. E trabalhe nisso
com afinco todos os dias. Desculpe-se pelas falhas fazendo mais esforço a
partir de então. Não seja rigoroso demais nem tolerante demais. No caso do
preconceito – comece pela mudança externa. Comece observando suas atitudes e
palavras. Aos poucos, esse entendimento fará parte de sua mente e coração. E
quando se sentir uma pessoa melhor, a alegria será enorme!
Boa sorte!
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