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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Sensações e lembranças

Por que não basta a dor da separação – ainda que temporária, tem que haver a tortura da buRRocracia e da incompetência reinante no país.

Quem já passou por isso sabe: ‘perder’ um ente querido, um parente próximo dói ainda mais quando somos obrigados a nos deparar com pessoas, empresas e órgãos públicos despreparados para atender com informações precisas e humanidade quem passa por essa situação.

Na central de relacionamento com o cliente do consórcio ficam de mandar contrato por e-mail, 5 dias depois te dizem que o pedido foi feito, mas demora 15 dias úteis (pra mandar um e-mail!!) e te recomendam procurar uma loja na cidade. Lá, te dizem pra ir na central administrativa que fica na zona norte da cidade (perto do aeroporto, zona árida) e, como todos sabemos, as paradas de ônibus todas têm ventilador, né? Aí lá, tem-se que esperar abrirem após almoço e te informam que não tem mais administração na cidade, te falam pra LIGAR pra central de relacionamento que te mandou lá – e isso é só o começo, pois após mandar um e-mail detalhando o assunto e o tipo de retorno recebido, eles te mandam uma resposta "bom dia, Sr. Claudio, segue contrato conforme sua solicitação, esperamos que tenha uma ótima semana!". Eu devia ter respondido espirituosamente, mas me limitei a lembrá-los que, definitivamente, não prestam atenção ao cliente...

Pra encaminhar pedido de auxílio funeral e pensão, pelo telefone te mandam no 2o andar no ‘Tudo Fácil’ – centro da cidade – onde, depois de senha e fila, te dizem que é no TJ, e te dão endereço a umas 8 quadras dali. Lá, te dizem que é no FORUM, mais duas quadras pra frente. Ali te dizem pra ‘descobrir’ de qual das associações de funcionários ele pertencia, nela te pedem diversos documentos e depois de idas e vindas, FICAM com o original, mas outros lugares também só aceitam original...  E aí descobre-se que, na verdade, é noutro lugar.

Isso tudo sem falar no calor te cozinhando os miolos, tu ali, fragilizado, sentindo que te roubaram o direito a luto por ter que repetir 20 vezes por dia sem soluçar ou engasgar “MEU PAI MORREU, EU PRECISO SABER...”; cópia de certidão de óbito pra lá e pra cá, documentos e mais documentos e teu pai passa a ser como o anel perdido, vai ficando sem valor, sem importância. De repente percebe que só consegue chorar quando chega em casa, quando mais ninguém pode te acusar de tentar se passar por vítima ou coisa similar muitas vezes insinuada com o olhar ou pela voz da telefonista grosseira (que deve estar de mal com o mundo) que fica gritando mesmo depois de explicar que o pai nunca tinha morrido antes e que não sabia com que departamento era preciso falar.

E aí a pensão não pode ser na conta conjuntas dos pais, pois só a pensionista pode ter acesso. Bom... O outro titular era o ‘falecido’ e acho que ele não vai mexer na conta. Não pode. Chegamos 15h50 ao banco, tiramos senha e 15 minutos depois, o rapaz que deveria abrir a nova conta diz que não pode abrir pois é apenas até 16h. Mas entramos antes disso, estamos com senha. Não pode, o sistema desliga automaticamente 16h. E como no Banrisul cai a toda hora, imagina o povo que fica uma hora esperando e chega 16h tem que ir embora... Amanhã, 10h novamente na fila do banco...
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Chego na frente do prédio onde não entrava há mais de 30 anos e sem querer a mente é invadida por lembranças da infância, correndo entre os pilares e meus pais ali em volta, rindo. O prédio onde nossos pais se conheceram, onde meu pai trabalhou muito tempo e sem saber como segurar o choro vem forte, dolorido, como se tirasse a trava de água funda represada por muito tempo. Pelo menos ali, no TJ, na Praça da Matriz onde muito corri e brinquei, a memória não foi vilipendiada por maus tratos, mas aconchegada pelos ‘colegas’ desde a portaria, onde ao falar ‘auxílio-funeral’ senti conforto na voz que disse que eu podia subir e me indicou os elevadores. Onde a funcionária que já tinha sido de uma gentileza enorme pelo telefone, “me pegou no colo”, com um sorriso me trouxe água, explicando cada detalhe, avisando de coisas que eu nem sabia que existiam, adiantando assunto de pensão, lista de documentos pra eu não precisar ir a outro lugar, indo ao telefone e à internet buscar informações pra minimizar minha correria e sofrimento.

Pelo menos lá a memória da pessoa que se esforçou pra ser melhor ao sair do que entrar no mundo, foi acarinhada. 

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