Mais do que a
necessidade de artistas - como poderia parecer a um desavisado que assistisse à
reunião hoje na Câmara de Vereadores, a manutenção do espaço do Centro
Cenotécnico do Estado em Porto Alegre, que serve a diversos municípios, é vital
para a continuação de diversas atividades culturais que movem várias cadeias
produtivas no Estado do Rio Grande do Sul.
Após 30 minutos ouvindo a arquiteta da prefeitura explicar o
que todos sabemos, da dificuldade de locomoção em Porto Alegre (até agora não
havia recursos e então, surgem num passe de mágica) e onde ficarão os semáforos
na região, todos tiveram oportunidade de se pronunciar. Esqueceu de falar tal
profissional sobre por que até hoje não se estabeleceu a linha do aeromóvel
parada em frente à Câmara de Vereadores que, com energia limpa, poderia
colaborar – e muito! – no deslocamento da população via Av. Ipiranga e zona
sul, por exemplo. Palmas ao Presidente do SATED/RS, falando por diversas
entidades e ao Diretor do Instituto Estadual de Artes Cênicas que com calma e
com conhecimento de todo o tema, sem hesitação falaram da importância de uma
solução que atenda à necessidade de todos.
O desrespeito começa pela falta de comunicação. Prefeitura
com planejamento de obras em mãos há mais de 2 anos, a comunidade artística
de vários segmentos que trabalham no espaço foi surpreendida junto com a
Secretaria Estadual de Cultura por uma notícia de jornal dando conta da
desapropriação em poucos dias!!
O descaso da Prefeitura Municipal de Porto Alegre com sua
cultura começa no estado lamentável de seus aparelhos públicos (teatros com
princípio de incêndio, equipamento sucateado, teto caindo, palco onde ao pisar
abrem-se buracos), seus gestores e a participação no orçamento municipal que
não chega a 0,1% do total. Sendo que do montante, a maior parte é destinada a
apenas uma manifestação cultural (não própria, mas apropriada). Herança de
outros governos? Sim, mas o atual nada faz em contrário, visto outros temas
parados ad eternum por meses e até
anos, como Funcultura e Cia de Arte.
Não é necessário um grande pensar para sabermos da
importância de preservação da história, da cultura de um povo - que se pretende
tão politizado - para crescimento efetivo da população. “Povo que não tem
virtude, acaba por ser escravo” enchem a boca para cantar. Que virtude há em
aniquilar a capacidade de pensar das pessoas? A escravidão de que se trata aqui
é a de acatar tudo sem ter parte nas decisões, sem ter sido ensinado a pensar.
E não é apenas através do voto, como gostam de alardear alguns.
Enquanto Medellín na Colômbia aplica 40% de seus recursos em
cultura e educação e é eficaz no combate ao narcotráfico, seguimos na contramão
da história? Há muito sabe-se que os segmentos de artes, cultura, arquitetura,
moda e design são os mais promissores economicamente, por dependerem de
recursos intangíveis como conhecimento e educação formal. Já está criada toda
uma geração de analfabetos funcionais que terminam a escola sem saber escrever
uma frase correta ou uma conta simples por não ser permitido mais 'repetir de
ano'. Com a aniquilação da formação cultural completa-se o ciclo de ‘emburrecimento’
e dominação, controle, como queiram chamar. É mais barato e fácil que manter
uma ditadura, pois agora o inimigo é
invisível.
"A arma mais poderosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido" (Steve Biko)
"A arma mais poderosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido" (Steve Biko)
Mas voltemos ao ponto nevrálgico pelo qual lutamos no
momento. O Centro Cenotécnico do Estado, abandonado por diversas gestões
finalmente estava recebendo a atenção devida do instituto Estadual de Artes
Cênicas. Prédio em péssimas condições abriga confecção de cenários para diversos
eventos no estado, espetáculos, cinema. Nas antigas instalações da RFFSA, abriga
cenários que precisam ser guardados entre uma apresentação e outra ou que podem
ser reaproveitados ao invés de apenas descartados, colaborando para a
sustentabilidade apregoada por gestores públicos como bandeira para ‘inglês
ver’. Abriga projetos em desenvolvimento por estado e municípios, recebe
apresentações como as programadas pela próxima edição do festival Porto
Alegre em Cena – hoje realizada pela própria prefeitura que quer derrubar o
espaço. É espaço para ensaios, manutenção de materiais, é usado como set de
filmagem para cinema e nele são ministrados cursos e oficinas de formação de
diversos profissionais. Como lembrou o presidente do SATED/RS, Vinícius Cáurio,
patrimônio histórico e cultural é muito
mais que um prédio tombado.
Para 2013 estava programado o início das obras de
recuperação física do lugar, com recursos já captados e projetos artísticos em
andamento.
Talvez esqueça-se o poder público que não é para os artistas
como querem fazer crer, mas para toda a população, para que possamos continuar
a divulgar a cultura do estado – que hoje se apresenta em vários lugares do
Brasil e no exterior. Não é para um
grupo de artistas e técnicos, pois se temos neste ofício nosso sustento, é
porque existe um público que vai a cinema e adora ver suas referências pessoais
ali retratadas, que acompanha o Natal Luz, que gosta de carnaval, música,
teatro. Público não apenas da cidade e do Estado, mas também formado por
turistas que acompanham diversos eventos ao longo do ano.
Talvez esqueça-se o poder público que a classe artística
existe, como ele, do povo e para o povo e não estamos guardados em um
armário para uso conforme necessidade, para construir e subir em palanques de comício,
oferecendo grandes eventos para encher e distrair os olhos dos menos atentos.
Mesmo que assim fosse, onde pensam estes ‘gestores’ que tais técnicos e
artistas aprenderiam o ofício e poderiam executá-lo? Não somos um aplicativo
que pode ficar num canto da memória e acessado apenas quando convém.
Saímos apreensivos da reunião extraordinária com a comissão
de cultura da Câmara de Vereadores de Porto Alegre com entidades e instituições
envolvidas, SEDAC-RS e Secretaria de Obras do Município. De um lado o governo
municipal afirma que nada será demolido até uma solução completa; pede que o
governo do Estado ofereça outro imóvel (enquanto a prefeitura cede imóveis
públicos a iniciativa privada) e oferece como alternativa demolir parcialmente
o prédio e construir um ‘anexo’ aos galpões preservados. Um olhar mais atento
sabe que, devido ao desleixo histórico, corre-se o risco de, demolindo uma
parte, outras desabem. E não é necessário profissional da secretaria para saber
isso – quem sabe não seja este o intento?, poderiam supor alguns. Lembrando que
promessas feitas nem sempre são cumpridas, corremos o risco de ficar sem aquele
espaço vital para a cultura do estado.
É necessário também que esta mesma classe, já tantas vezes
atingida, lembre-se de que o trabalho é ininterrupto no sentido de preservar o
pouco que temos. E toda presença, divulgação, esclarecimento público se faz
necessário e urgente.
Abaixo, o exemplo de mobilização dos moradores de vilas
atingidas na zona sul da capital. Depois de tudo perdido, de nada adianta
chorar sobre o prédio derrubado.
PARIS SÓ É PARIS POR SUAS CABEÇAS PENSANTES E NÃO POR SUAS OBRAS VIÁRIAS, nos lembra Marcelo Restori, ator, diretor de teatro e cinema e hoje diretor do IEACen.
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