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segunda-feira, 16 de julho de 2012

Centro Cenotécnico do Estado. Reunião na Câmara de Vereadores.

Mais do que a necessidade de artistas - como poderia parecer a um desavisado que assistisse à reunião hoje na Câmara de Vereadores, a manutenção do espaço do Centro Cenotécnico do Estado em Porto Alegre, que serve a diversos municípios, é vital para a continuação de diversas atividades culturais que movem várias cadeias produtivas no Estado do Rio Grande do Sul.

Após 30 minutos ouvindo a arquiteta da prefeitura explicar o que todos sabemos, da dificuldade de locomoção em Porto Alegre (até agora não havia recursos e então, surgem num passe de mágica) e onde ficarão os semáforos na região, todos tiveram oportunidade de se pronunciar. Esqueceu de falar tal profissional sobre por que até hoje não se estabeleceu a linha do aeromóvel parada em frente à Câmara de Vereadores que, com energia limpa, poderia colaborar – e muito! – no deslocamento da população via Av. Ipiranga e zona sul, por exemplo. Palmas ao Presidente do SATED/RS, falando por diversas entidades e ao Diretor do Instituto Estadual de Artes Cênicas que com calma e com conhecimento de todo o tema, sem hesitação falaram da importância de uma solução que atenda à necessidade de todos.

O desrespeito começa pela falta de comunicação. Prefeitura com planejamento de obras em mãos há mais de 2 anos, a comunidade artística de vários segmentos que trabalham no espaço foi surpreendida junto com a Secretaria Estadual de Cultura por uma notícia de jornal dando conta da desapropriação em poucos dias!!
O descaso da Prefeitura Municipal de Porto Alegre com sua cultura começa no estado lamentável de seus aparelhos públicos (teatros com princípio de incêndio, equipamento sucateado, teto caindo, palco onde ao pisar abrem-se buracos), seus gestores e a participação no orçamento municipal que não chega a 0,1% do total. Sendo que do montante, a maior parte é destinada a apenas uma manifestação cultural (não própria, mas apropriada). Herança de outros governos? Sim, mas o atual nada faz em contrário, visto outros temas parados ad eternum por meses e até anos, como Funcultura e Cia de Arte.

Não é necessário um grande pensar para sabermos da importância de preservação da história, da cultura de um povo - que se pretende tão politizado - para crescimento efetivo da população. “Povo que não tem virtude, acaba por ser escravo” enchem a boca para cantar. Que virtude há em aniquilar a capacidade de pensar das pessoas? A escravidão de que se trata aqui é a de acatar tudo sem ter parte nas decisões, sem ter sido ensinado a pensar. E não é apenas através do voto, como gostam de alardear alguns.

Enquanto Medellín na Colômbia aplica 40% de seus recursos em cultura e educação e é eficaz no combate ao narcotráfico, seguimos na contramão da história? Há muito sabe-se que os segmentos de artes, cultura, arquitetura, moda e design são os mais promissores economicamente, por dependerem de recursos intangíveis como conhecimento e educação formal. Já está criada toda uma geração de analfabetos funcionais que terminam a escola sem saber escrever uma frase correta ou uma conta simples por não ser permitido mais 'repetir de ano'. Com a aniquilação da formação cultural completa-se o ciclo de ‘emburrecimento’ e dominação, controle, como queiram chamar. É mais barato e fácil que manter uma ditadura, pois agora o inimigo é invisível.

"A arma mais poderosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido" (Steve Biko)

Mas voltemos ao ponto nevrálgico pelo qual lutamos no momento. O Centro Cenotécnico do Estado, abandonado por diversas gestões finalmente estava recebendo a atenção devida do instituto Estadual de Artes Cênicas. Prédio em péssimas condições abriga confecção de cenários para diversos eventos no estado, espetáculos, cinema. Nas antigas instalações da RFFSA, abriga cenários que precisam ser guardados entre uma apresentação e outra ou que podem ser reaproveitados ao invés de apenas descartados, colaborando para a sustentabilidade apregoada por gestores públicos como bandeira para ‘inglês ver’. Abriga projetos em desenvolvimento por estado e municípios, recebe apresentações como as programadas pela próxima edição do festival Porto Alegre em Cena – hoje realizada pela própria prefeitura que quer derrubar o espaço. É espaço para ensaios, manutenção de materiais, é usado como set de filmagem para cinema e nele são ministrados cursos e oficinas de formação de diversos profissionais. Como lembrou o presidente do SATED/RS, Vinícius Cáurio, patrimônio histórico e cultural é muito mais que um prédio tombado.

Para 2013 estava programado o início das obras de recuperação física do lugar, com recursos já captados e projetos artísticos em andamento.
Talvez esqueça-se o poder público que não é para os artistas como querem fazer crer, mas para toda a população, para que possamos continuar a divulgar a cultura do estado – que hoje se apresenta em vários lugares do Brasil e no exterior. Não é para um grupo de artistas e técnicos, pois se temos neste ofício nosso sustento, é porque existe um público que vai a cinema e adora ver suas referências pessoais ali retratadas, que acompanha o Natal Luz, que gosta de carnaval, música, teatro. Público não apenas da cidade e do Estado, mas também formado por turistas que acompanham diversos eventos ao longo do ano.

Talvez esqueça-se o poder público que a classe artística existe, como ele, do povo e para o povo e não estamos guardados em um armário para uso conforme necessidade, para construir e subir em palanques de comício, oferecendo grandes eventos para encher e distrair os olhos dos menos atentos. Mesmo que assim fosse, onde pensam estes ‘gestores’ que tais técnicos e artistas aprenderiam o ofício e poderiam executá-lo? Não somos um aplicativo que pode ficar num canto da memória e acessado apenas quando convém.

Saímos apreensivos da reunião extraordinária com a comissão de cultura da Câmara de Vereadores de Porto Alegre com entidades e instituições envolvidas, SEDAC-RS e Secretaria de Obras do Município. De um lado o governo municipal afirma que nada será demolido até uma solução completa; pede que o governo do Estado ofereça outro imóvel (enquanto a prefeitura cede imóveis públicos a iniciativa privada) e oferece como alternativa demolir parcialmente o prédio e construir um ‘anexo’ aos galpões preservados. Um olhar mais atento sabe que, devido ao desleixo histórico, corre-se o risco de, demolindo uma parte, outras desabem. E não é necessário profissional da secretaria para saber isso – quem sabe não seja este o intento?, poderiam supor alguns. Lembrando que promessas feitas nem sempre são cumpridas, corremos o risco de ficar sem aquele espaço vital para a cultura do estado.

É necessário também que esta mesma classe, já tantas vezes atingida, lembre-se de que o trabalho é ininterrupto no sentido de preservar o pouco que temos. E toda presença, divulgação, esclarecimento público se faz necessário e urgente.
Abaixo, o exemplo de mobilização dos moradores de vilas atingidas na zona sul da capital. Depois de tudo perdido, de nada adianta chorar sobre o prédio derrubado.

PARIS SÓ É PARIS POR SUAS CABEÇAS PENSANTES E NÃO POR SUAS OBRAS VIÁRIAS, nos lembra Marcelo Restori, ator, diretor de teatro e cinema e hoje diretor do IEACen.


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