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sábado, 17 de dezembro de 2011

O maior prêmio de todos.


Nunca recebi alguma indicação pessoal a prêmio e tenho tranqüilidade em reconhecer minhas limitações. Não vou mentir dizendo que nunca pensei no assunto, até por curiosidade em saber o que fazer com aquilo (a função toda). Mas muito já me peguei pensando na idéia toda e sua necessidade.
Inegável a importância, especialmente nos tempos atuais, de se colocar alguma premiação no currículo na hora de obter recursos pra investir no trabalho e claro, se remunerar com isso. Importância essa talvez subjetiva, como uma forma de dizer: olha só, já ganhei até prêmio, então não devo ser ruim, mesmo você não me conhecendo.

Mas quando começamos, pensávamos nisso?

Não tenho idéia exata de quando fui ‘picada’ pela arte de modo geral, mas minhas lembranças começam com uma apresentação de Os Saltimbancos na Assembléia Legislativa do RS, na década de 1970. Levada por minha mãe que corria comigo e minha irmã pelos corredores do prédio pra que a gente tivesse a chance de, numa platéia lotada, ficar num cantinho e ver de pertinho uma galinha e outros bichos dançando e cantando com muita cor, luz e animação.
Era melhor que ter ido ver Bambi no cinema – que me emocionara às lágrimas 'pobrezinho, perdeu a mãezinha dele’ minha mãe lembra que eu dizia – ERA VIVO!! Estava ali, sendo apresentado pra MIM. E outras centenas de crianças, claro. MAS ESTAVA ALI.
Eu já me sentia premiada por esta oportunidade e, relembrando Feuerbach, na versão interpretada por nosso saudoso Lever, “paguei por isso com toda minha vida”.

Não entendam mal, não acho que “pagar”, aqui, tenha a conotação tão negativa que muitos entendem. Simplesmente não poderia ter sido diferente. Eu não imagino minha vida sendo diferente, ainda que com muitos percalços, fugas eventuais, “carreira” (tenho direito de chamar assim?) irregular. Não imagino não ter conhecido as pessoas que conheci, vivido tudo que vivi, não importa se bom ou nem tanto.
Não poderia ter abdicado de, mesmo fora do palco, ter ajudado tantas pessoas a realizar o sonho de continuar fazendo de nossa arte única. Das amizades e afetos que ganhei.

E eis que, em final de 2005 e 2006, o maior de todos os prêmios.

Lembro em detalhes, até sons e cheiros. Havia um grupo grande de pessoas num bar na cidade baixa, em Porto Alegre. Trabalhávamos juntos então. E o Edu Kraemer – amigo, parceiro a quem admiro muito e será sempre um dos meus maiores afetos – me chama meio de canto e fala “tem um texto que eu queria muito fazer. É um casal.” E eu, metida que sou, nem o deixei falar e me atirei: eu quero fazer. Não sabia que aí começava uma história que me trouxe dor e alegrias mas sobretudo, a resposta pra todas minhas dúvidas e angústias com a forma com que resolvi levar minha vida.

Eu ainda não sabia que ele queria montar Tennessee Wiiliams (talvez tivesse corrido ante a responsabilidade) , um texto breve, escrito antes de “Um bonde chamado desejo” – talvez até o ensaio pra tal peça.

Ainda que cada detalhe me venha à mente, vou encurtar o caminho das primeiras leituras, conversas com o Rafael Guerra (que compôs o elenco comigo), definição de formas. Apenas conto que quando o Edu avisou (ele não pergunta, ele define) que não ensaiaríamos todos juntos, confesso que tremi. Eu não teria a mínima chance de me esconder durante os ensaios. Algumas pessoas entenderão bem o que eu quero dizer.

Segunda e terça na hora do almoço eram momentos dedicados a ELA e quarta e quinta a ELE. Só nos reunimos na semana de estréia. Eu não tinha idéia de que o Rafa pudesse ter sofrido o que eu sofri. Mais de uma vez (e nunca soube se o Edu sabia disso na época ou apenas recentemente quando falamos no assunto) eu voltava ao escritório da Câmara do Livro e desatava a chorar pensando: não serei capaz! Eu não posso seguir com isso. Amanhã vou avisar o Edu que eu desisto.
Mas ele sempre me enrolava e eu terminava o ensaio sem ter tido coragem de fugir.
Ainda agora me emociono ao lembrar.
Montamos "Fala Comigo Doce como a Chuva".

Então estreamos e muitas histórias emocionantes apareceram. A maior delas, pra mim, ocorreu bem longe da Usina do Gasômetro, onde nos apresentávamos.

No consultório da terapeuta onde eu batia ponto uma vez por semana (acho que era na quinta-feira), sento-me na poltrona e a ouço falar antes de mim, pela primeira vez provavelmente. Ela tinha poucas chances de me ver atuar, em função de sua vida atribulada na época.

“Eu tenho uma paciente que chegou aqui há 2 anos, numa grave crise conjugal. Ela não dava mostras de descobriria isso tão cedo. Então ela chega aqui na terça-feira, senta nessa poltrona aí e me diz: meu casamento é uma merda e por isso minha vida é uma bosta. Fiquei muda, ainda sem saber como perguntar como ela havia chegado àquela conclusão e ela continua: fui ver uma peça no final de semana. E aquela mulher era EU!(...)
Fiquei pensando que sentimento te move, o que te estimula a subir todo dia num palco pra fazer supostamente a mesma coisa e ainda assim tocar uma pessoa dessa forma.”

Contei a ela das várias histórias que vivenciamos com esse trabalho. Este ano alguns colegas me brindaram com comentários muito bacanas e eu nem sabia que muitos deles haviam assistido.

Venho pensando em colocar isso no meu currículo. Alguém acha realmente que é necessário um prêmio maior que esse?

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