Pesquisar este blog

sábado, 7 de janeiro de 2012

A censura que ninguém te impôs


"Não fala mais isso que teu pai vai ser preso!"

A frase mais marcante de minha infância carregava em si todo medo que minha mãe sentia em tempos de ditadura militar no Brasil. A frase mais ouvida de minha infância me ensinou algo precioso: o valor da liberdade de expressão, a importância da luta pelo direito (ou dever?) de falar.

Já vejo o sorriso de muitos ao lerem isso, já que minha característica mais famosa é justamente a abundância no falar. Mas nem sempre fui assim. Tive meu tempo de observar e refletir. Foi só quando chamaram meus pais ao colégio pra perguntar se fazia terapia por não me comunicar verbalmente com os colegas e toda hora tinha alguém perturbando meu silêncio confortável, que mudei radicalmente. Percebi a importância de falar muito pra afastá-los do que eu realmente não queria falar... Complexo? Na verdade muito simples. Se falar bastante, as pessoas cansam e procuraram se afastar, deixando mais espaço pra sua leitura, sua música, seus pensamentos e tudo que a gente quer guardar pra si.

Mas o que se faz com tudo que se absorve?

Não escolhi a arte. Apenas não poderia ser diferente. Nao há maneira mais sublime de expressão. Ao ver aquelas cores, formas, músicas, pessoas interpretando animais ( Os Saltimbancos) em cima daquele palco eu sabia que não poderia amar outra coisa na vida. Não lembro que idade tinha. Apenas de minha mãe correndo com minha irmã e eu pela mão pelos corredores da Assembléia Legislativa pra chegar ao auditório e ver o que ela mesma tinha tanta vontade de sentir. Seus olhos brilhavam e aí entendi por que. Provavelmente por isso ouvir Feuerbach dizer pela boca de Lever (quem era quem?) "quanto se paga pra estar lá cima?(...) E paguei por isso toda minha vida" tenha me emocionado tanto. 

Não fui forte o bastante pra construir uma carreira de verdade.
Mas impossível estar longe.

E um dos motivos é justamente a possibilidade que o artista tem de usar sua sensibilidade pra falar o que toca a mente e coração das pessoas. Pra ajudar a pensar, a perceber o mundo, a humanidade. Ou simplesmente (?) levar alegria, riso.

É muito triste perceber artistas (?) perdendo sua capacidade de se indignar. Depois de tanta gente na história da humanidade ter perdido até mesmo a vida pelo direito de pensar e falar diferente do permitido, ver pessoas que têm a liberdade e os meios pra isso optarem por não fazê-lo é patético. O medo ainda existe. Porém é o medo de "o que as pessoas vão falar?", "Será que não vou me queimar?".

Bons tempos em que "se queimar" era ficar quieto.

Se o medo fosse por sua integridade física eu até entenderia. 
Mas eu teria vergonha de dizer não vou reclamar 
por medo de perder uma boquinha.


Onde erramos em não ensinar o valor de se lutar como qualquer trabalhador por respeito? 

Sim, por que nós que nascemos e crescemos sob a sombra da censura temos o dever de ensinar a importância de usar a liberdade para batalhar nossos direitos. Acima de tudo somos cidadãos trabalhadores e pagamos impostos e altos salários para aqueles que nos roubam, oprimem e dão gargalhadas na nossa cara!

Minaram aos poucos nossa capacidade de luta. De um lado o assistencialismo te acovardando, te acomodando. De outro trabalho árduo... A escolha confortável parece lógica.

Mas se obtivemos o direito legal de trabalhar, se batalhamos por mecanismos legais de incentivo e financiamento, NÃO TEMOS O DIREITO de fazer disso motivo pra parar de lutar e botar a boca no trombone, fazer barulho na hora de reinvindicar direitos e melhorias por medo de perder - em retaliação - o pouco adquirido. TEMOS O DEVER DE CRITICAR sim, pois o que temos não nos foi dado de mão beijada! TEMOS O DEVER DE IR PRA RUA GRITAR contra aqueles que colocados em posição de defender a arte fazem dela apenas pedestal temporário para seus egos.


Secretários de cultura e gestores de espaços públicos são nossos funcionários e não o contrário! Eles só estão ali por que existem artistas! 

Ainda que aos poucos tentem acabar com a necessidade de arte na vida o ser humano, não acabarão nunca com a necessidade lúdica de expressão do ser humano.
Ao ver notícias de manifestações ao redor do mundo é comum ouvirmos brasileiros elogiando, falando de como seria bom se acontecesse isso no Brasil. Mas vai convocar uma greve geral ou outra manifestação pra ver o que acontece...

O mais triste, repito é ver a classe supostamente mais politizada, num estado da federação que jura ser politicamente atuante se acovardando, se omitindo, reclamando à boca pequena em mesa de bar. É o mesmo cara que reclama da fila do banco mas não vai falar com o gerente sobre o dever de colocar mais pessoas nos caixas pra não estourar o tempo estipulado na Lei para atendimento.

"Se ninguém reclama é por que está tudo bem, né? " Claro, Marcelão, é EXATAMENTE isso.

Às vezes minha irritação é tão grande que tenho vontade de responder: ah, tá ruim? Por que não vai reclamar pra quem tem de direito e pára de encher meus ouvidos? E às vezes falo. E a pessoa faz o quê? Nada!

Cansei de ser a bruxa má, a histérica reclamona. Grito e sempre gritarei por mim. É muito fácil alguém gritar por ti enquanto tua bunda fica na cadeira, né?

...


Tá, vá lá. Ainda gritarei pelos outros. Só não sei até quando.

"Se eu parar, é por que terão me vencido".


A situação de muitas áreas no Estado do Rio Grande do Sul é de chorar.
A Cultura (ARTE) como sabemos, sempre é a mais prejudicada. Na calada de 2011, líderes de bancadas reunidos na AL/RS aprovaram um novo projeto de Lei, REVOGANDO conquistas de Lei de Incentivo da qual muita gente se beneficia. Entre outros assuntos, devido à urgência (poderá ser sancionada pelo governador dia 18 de janeiro) realizou-se uma reunião em Porto Alegre para definir ações no sentido de minimizar os efeitos devastadores desse PL ou até mesmo  buscar seu veto. Quantos profissionais usuários desse sistema de financiamento compareceram...?

Se escolhemos e endossamos entidades para nos representar, é NOSSO DEVER DAR SUPORTE a elas, cujo trabalho é observar, sentar e discutir. O nosso é fazer arte. Mas pra termos o direito de nos apresentarmos como trabalhadores da arte, precisamos não ter vergonha de agir como artistas: ver, ouvir, pensar e regurgitar isso SEM MEDO.

ACORDA, POVO! 

A culpa é nossa de os espaços públicos de cultura estarem completamente destruídos a ponto de serem fechados (com toda razão) por bombeiros e Ministério Público! Nós nos subtemos àquelas condições sem reclamar!

A culpa é nossa se a Secretaria da Fazenda se sente à vontade pra mudar Leis da área cultural a seu bel-prazer. Nós só olhamos pra nosso umbigo e paramos de olhar ao redor!

A culpa é nossa se as pessoas se sentem no direito de vir pedir ingresso gratuito ou abusar de Leis de meia-entrada. Não nos fazemos respeitar, aceitando cachês miseráveis, prazos de pagamento aburdos (às vezes anos), fazendo o trabalho de que outro colega deixou de fazer por amor-próprio. "Sempre tem alguém que faz".

A culpa é nossa se empresários usam o dinheiro de impostos apenas para "patrocinar"(faz-me rir) o que LHES interessa. Se o dinheiro é público, não poderia servir interesses privados, não é?

A culpa é nossa se o cidadão brasileiro não se apropria da sua arte e a respeita a ponto de se juntar a esta luta!


A culpa  é nossa por nunca exigirmos respeito!


Quem se importa precisa estar junto:
ATENÇÃO: essa é a hora! Dia 10-01-2012. FAC
60 PESSOAS MUDAM O RUMO DAS NEGOCIAÇÕES

Sessenta pessoas de diversas áreas do segmento cultural mudaram o rumo da negociação, sobre o PL 410/2011 e trouxeram para o foco da discussão o Fundo de Apoio à Cultura – FAC.
A Secretaria da Fazenda reafirmou o compromisso com a Cultura e assume a responsabilidade de não diminuir os valores de 28,5 milhões circ......ulantes na área.
Deste valor 18 milhões serão via Editais Públicos pelo FAC.
A concretização desta promessa só acontecerá se estivermos mobilizados na luta por nossos direitos.
Sua presença é indispensável, no dia 10 de janeiro, terça-feira, às 19 horas na CIA de ARTE, Andradas, 1780.



Nenhum comentário: